quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Omissão também forma opinião

Nas últimas eleições presidenciais ocorreu um fenômeno que não era previsto pelos institutos de pesquisa e nem pelas inúmeras análises políticas. A mídia, que tinha polarizado o resultado do plebiscito entre os candidatos José Serra e Dilma Rousseff, ficou surpresa com o desempenho de Marina Silva nas urnas após o primeiro turno.
A então candidata do PV recebeu 20% dos votos (os institutos indicaram metade desta quantia em intenções de voto antes do pleito) e venceu em cidades como Brasília e Belo Horizonte. Este fator por si só despertou a curiosidade de jornalistas e analistas de plantão que, na busca por uma causa, sinalizaram que tamanho apoio veio de eleitores que consideram a religião fator preponderante.
Marina pertence à igreja Assembleia de Deus e, ao contrário dos demais postulantes, tinha uma visão religiosa muito bem definida (contra aborto, união homoafetiva etc.), e sendo o Brasil um país religioso, apesar de laico, a equação montada em torno dos resultados foi contundente: Marina teve apoio dos evangélicos, que são 10% dos 15,6% de protestantes na população brasileira.
É curioso notar que esta associação foi realizada com base na característica mais primária e de cunho pessoal da candidata, que na verdade teve seu programa político apoiado na questão ambiental e não na religião. Por esta premissa, todos os evangélicos votaram em Marina que, como não conseguiram elegê-la no primeiro turno, tiveram que decidir entre Dilma e Serra.
A partir desse quadro, os presidenciáveis correram em busca do apoio desta população, antes ignorada nas discussões. Os meios de comunicação forneceram o pano de fundo para o “debate” sobre o aborto, a união civil entre homossexuais e a adoção de crianças por casais homoafetivos – não que isso estivesse de fato em suas pautas, mas foi oportuno para os candidatos.
Estes assuntos são extremamente delicados, pois nos pólos estão pessoas com argumentos contundentes sobre os assuntos e, no meio, a população se divide claramente entre apoiadores de um lado ou de outro. Em todos esses temas os religiosos, e acima de tudo evangélicos, saem da mera opinião e agem politicamente no Legislativo.
No caso de José Serra, que recebeu apoio de Fernando Henrique, ateu declarado, seu discurso passou a ser paralelo a passagens da Bíblia, como demonstra matéria divulgada no G1 ao descrever um evento evangélico em Santa Catarina: “O tucano lembrou uma passagem na qual os evangelistas apontam Jesus como fonte de vida em abundância e relacionou esse princípio cristão com os cuidados com a saúde. ‘Nós combatemos o tabagismo, o cigarro. Por quê? Porque faz mal a saúde’". Na mesma matéria, ele fez um apelo: “Peçam que Ele me dê sabedoria para enfrentar as batalhas daqui por diante. Todas elas voltadas ao progresso do país".
Dilma Rousseff, por sua vez, se comprometeu à causa evangélica através de declarações e da “Carta ao Povo de Deus”, documento pelo qual ela defenderia a família e prometeria não espichar a polêmica sobre aborto e união civil entre homossexuais. Em matéria n’O Estado de S. Paulo, ocorreu a seguinte descrição: “Disposta a cativar todas as denominações cristãs, ela observa que a miséria e as distorções sociais têm "o dedo imperfeito do homem, e não o desígnio de um Deus perfeito’". No caso da petista, este documento não foi a termo devido às pressões de outros setores e da “saia-justa” na qual ela se colocaria por expor demais a sua credibilidade política, explorada em uma capa da revista Veja.
Na publicação em questão, de 13 de outubro de 2010, a capa colocava em contraste duas citações da candidata, uma como ministra em 2007, na qual defendia a legalização do aborto e outra declaração, já como candidata, defendendo o oposto. Se as pessoas mudam de ideia, isso é fato, mas a situação de Dilma não parecia caber nesse quadro.
Assim, cada um assimilou da sua forma o que Marina Silva parecia representar, e ávidos por apoio ao lado de pastores e padres - não podemos esquecer que a igreja católica também atuou de forma ostensiva – empobreceram tanto o sentido das questões que estavam debatendo como o significado da fé e a importância de outros grupos da sociedade. No caso dos gays, o Grupo Gay da Bahia, organização mais antiga neste segmento, afirma que 10% da população brasileira seja homossexual. Este dado, somado ainda com falhas em eventuais pesquisas, seja pela deficiência técnica e resistência cultural para expor o assunto, pode levar este número para ainda mais.
De acordo com o Ministério da Saúde, mais de um milhão de abortos clandestinos são realizados nos Brasil. O que um governante diria a essa população, que sem perspectiva econômica e, em sua maioria, de maneira precoce matam ou morrem em demasia? Caso não abortassem, o Estado daria quais garantias a ela? A mídia não entrou na pauta.
Casos como esse descrevem que os meios de comunicação contribuem para a formação da opinião pública mesmo quando não se manifesta, se fazem “neutros”, resumindo-se a apenas descrever. É muito comum apontarmos casos em que a mídia toma a frente das discussões. Mas a exemplo destas últimas eleições, ela fechou os olhos, contribuindo para a formação da opinião pública, que neste caso foi: manter o status quo.
A omissão permitiu que os candidatos se degladiassem, revelando uma característica cruel do processo eleitoral, o poder a qualquer preço, ás custas da ética. Se essa não era a agenda oficial, perdeu-se mesmo assim um momento de reflexão em meio a um processo tão sensível quanto as eleições.
O que sobreviveu incólume após este capítulo, foi o peso adquirido pelas camadas religiosas e sua importância no discurso social que, em tese, é público. Não sem isso, jovens foram recentemente agredidos de maneira torpe no Rio e em São Paulo por razão de homofobia e mulheres continuam a realizar abortos de maneira clandestina.
Os sintomas persistentes na cobertura dos meios de comunicação em suas análises são a agitações em torno dos assuntos, a inquietação, defesas e ataques furiosos das partes envolvidas e, por fim, o caráter inconclusivo, como se os problemas sociais desaparecessem como brasas no escuro.

3 comentários:

  1. Nome: Eduardo Diamenti

    Realmente os meios de comunicação muitas pela política do próprio jornal tomam atitudes de omissão ou distorção de alguns caos para assim influenciar o leitor. Mas, isso normalmente ocorre porque o jornal é uma empresa, que partcipa do capitalismo e assim ela muitas vezes tem de se utilizar do seu poder de informar a população para também lapidar o pensamento dos que a acompanham para assim ajudar na eleição ou corroborar para acordos políticos que sejam favoráveis a ela.

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  2. Nome: Alexandre Feitosa

    Os grandes meios de comunicação focam sempre nos candidatos mais fortes e deixam os outros praticamente de fora das eleições. O caso da Marina Silva foi que parte da população não estava de acordo com José Serra e Dilma Rousseff, que não tinham propostas e só se atacavam. Os meios de comunicação sempre se dizem "neutros", mas diretamente tomam seus partidos.

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  3. Nome: Fábio Oliveira

    A atitude dos meios de comunicação durante os debates entre os presidenciáveis de 'provocar' os ataques entre Dilma e Serra com certeza é um ótimo exemplo de manipulação de opiniões por meio da omissão. Será que os gays, religiosos e aqueles que se importam com a questão do aborto teriam mudado seu voto após a revista Veja ou qualquer outro veículo ter 'arrancado' opiniões dos canditados?
    E após um mar de apelações, críticas, manobras políticas que passam por cima da ética, dos valores e das questões que realmente importam à sociedade, os problemas sociais deixam de permanecer em pauta, já que a própria mídia trata de mudar esse quadro. Oportuno para os canditados debater a questão do aborto e do casamento GLS? Com certeza, mas não para a população, que sabe muito bem como essa história termina.

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